terça-feira, 21 de junho de 2016


TAQUIARRITMIAS
Dr. Ronaldo Távora
Cardiologia, Arritmologia
Eletrofisiologia e Estimulação Cardíaca artificial.

Problema
PMC, 62 anos com história de hipertensão arterial, diabetes e doença arterial coronariana (DAC) com um episóddio de infarto agudo do miocárdio há dois anos. Admitido em serviço de emergência com  desconforto  torácico,  dispnéia e tontura.  Ao exame apresentava palidez cutaneomucosa com sudorese fria. PA: 80 x 40 mmHg, pulso fraco e regular, SpO2 87%%,  FC: 160 bpm , FR 28 irpm. Creptações  nas bases de ambos os campos pulmonares.  O ECG revelava uma taquicardia regular com QRS largo. Diante desse quadro de instabilidade foi realizada uma  cardioversão elétrica de emergência com reversão ao ritmo sinusal e estabilização clínica. O paciente foi posteriormente transferido para a UTI.
Objetivos de Aprendizagem:
1)   Reconhecer as taquiarritmias mais prevalentes no cotidiano do médico generalista e seus aspectos clínicos e eletrocardiográficos
2)   Avaliar  o diagnóstico diferencial dessas arritmias
3)   Conhecer os mecanismos fisiopatológico e fatores desencadeantes
4)   Planejar a melhor conduta terapêutica para cada taquiarritmia, pensando no mecanismo fisiopatológico e no estado hemodinâmico.

Introdução
A frequência cardíaca normal de um indivíduo em repouso varia em média de 50 a 100 bpm. Quando, por algum motivo, a frequência se encontra acima deste limite  superior, fala-se de uma taquiarritmia. Esta pode ser uma resposta adaptativa a uma situação de estresse ou decorrente de uma alteração nos mecanismos eletrofisiológicos cardíacos.
Quanto à origem, as taquiarritmias podem ser agrupadas em dois grandes grupos: supraventriculares (TSV) e ventriculares (TV). No ECG, elas se diferenciam, pois, na maioria das vezes, as arritmias ventriculares causam um alargamento do complexo QRS. Entretanto, algumas taquicardias supraventriculares podem cursar com QRS alargado e isso decorre de diversos mecanismos:
a) distúrbio de condução preexistente (bloqueio de ramo prévio)
b) distúrbio de condução frequência- dependente (surge com o aumento da frequência cardíaca)
c)  síndrome de Wolff-Parkinson-White (reentrada antidrômica, taquicardias supraventriculares pré-excitadas)

Existem vários  critérios eletrocardiográficos para o diagnóstico diferencial destas arritmias com QRS alargado (quadro 1). Uma história de cardiopatia conhecida, IAM prévio, cirurgias cardíacas ou história familiar de morte súbita precoce sugerem fortemente o diagnóstico de TV que não pode ser descartada na ausência desses fatores e deve ser sempre considerada como diagnóstico principal devido a maior morbidade e mortalidade desta arritmia.




Tabela 1: Critérios de Brugada para o diagnóstico diferencial das taquicardias com QRS alargado. BRE:  bloqueio de ramo esquerdo. BRD: bloqueio de ramo direito. TV: taquicardia ventricular. TSV: taquicardia  supraventricular


Em 2015, o Dr. Francisco Rodrigues dos Santos Neto (médico do Hospital Dr. Carlos Alberto Studart – Fortaleza-Ce), apresentou sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo, sugerindo um novo critério para o diagnóstico de taquicardias de QRS largo. Simples de avaliar e fácil de memorizar ,é conhecido como “algoritmo 12.16”.

 
Tabela 2: Algoritmo Santos/Scanavacca - 12:16


As taquiarritmias podem ainda ser divididas do ponto de vista hemodinâmico em instáveis ou estáveis. Os achados que indicam instabilidade hemodinâmica podem ser lembrados com a mnemônica dos 4 D.
D – Dor precordial
D – Diminuição da pressão arterial
D – Dispnéia
D --Depressão do sensório
Quando existe uma instabilidade hemodinâmica, o tratamento é cardioversão elétrica (CVE), independente de qual seja a taquiarritmia. Porém, caso não exista instabilidade, o correto diagnóstico diferencial deve ser feito para uma conduta mais dirigida.


MECANISMOS DAS ARRITMIAS CARDÍACAS.
As arritmias cardíacas podem surgir principalmente por:
1.    Alterações na formação do impulso elétrico.
2.    Alterações na propagação do impulso elétrico.
3.    Alterações na formação e propagação do impulso elétrico.

Automatismo e Hiperautomatismo  (formação do impulso)
Automaticidade é a capacidade de a célula cardíaca iniciar um impulso espontaneamente. As células especializadas presentes no nodo sinoatrial, no nodo atrioventricular, no feixe de His e no sistema de Purkinje demonstram automaticidade,  porém, são continuamente suplantados pelo ritmo sinusal que é mais rápido. Algumas arritmias são ocasionadas pelo aumento da freqüência espontânea deste sistema. Em certas ocasiões (isquemia, distúrbios hidro-eletrolíticos, intoxiações medicamentosas...) o próprio miocárdio pode apresentar propriedades automáticas.
A automaticidade anormal é conseqüência de um aumento da inclinação da fase 4 de despolarização ou da redução no limiar de despolarização do potencial de ação. A influência do sistema nervoso autônomo pode causar variações da freqüência cardíaca para mais (quando prevalece o tônus simpático) ou para menos (quando prevalece o tônus parassimpático). O hiperautomatismo é responsável pelo surgimento de algumas taquiarritmias tais como: extra-sístoles atriais (ESA), extra-sístoles ventriculares (ESV), taquicardias atriais e taquicardia sinusais (TS).



Reentrada (propagação do impulso)
É o mecanismo mais comum das arritmias cardíacas, ocorrendo geralmente  na existência de  anormalidades na condução do impulso. As alterações fibróticas do coração decorrentes de cicatrizes de infartos prévios ou resultantes de uma hipertrofia cardíaca, podem levar a áreas de condução lenta e fornecer um meio propício para  o surgimento da reentrada. Essas áreas fibróticas levam a  existência  de uma falta de  homogeneidade na condução miocárdica  ou em suas propriedades de recuperação na repolarização cardíaca. Para acontecer  o fenômeno da reentrada, é necessário a existência de duas vias diferentes de condução  que tenham o mesmo segmento inicial e final. Uma dessas vias deve ser mais lenta e apresenta um período refratário mais curto. Desta forma, durante o tempo em que o estímulo é conduzido pela via lenta, a via rápida se recupera e se torna novamente excitável conduzindo um novo estímulo para a via lenta também já recuperada mantendo assim um circuito de reentrada. O  entendimento desse mecanismo é de suma importância, pois as taquiarritmias decorrentes de reentrada respondem melhor à CVE e são mais passíveis de ablação por catéter.


 
 Ilustração 1: Esquema representado uma arritmia por reentrada. Via lenta – α. Via rápida - β


Taquicardias Supraventriculares (TSV)

Taquicardia sinusal (TS)

Pode estar relacionada a uma resposta fisiológica ou adaptativa a várias situações vivenciadas pelo paciente, tais como: ansiedade, atividade física, febre, infecções, tireotoxicose, hipóxia, anemia, hipovolemia, pós-operatório, insuficiência cardíaca... Tem início e término graduais, com frequência acima de 100 batimentos por minuto.
A frequência máxima é limitada e pode ser inferida por um cálculo simplificado : 220 – idade do paciente. Na apresentação eletrocardiográfica, a onda P tem morfologia e duração semelhantes ao ritmo sinusal e precede cada complexo QRS, sendo positiva nas derivações Dll, Dlll, e aVF, e negativa em aVR. O intervalo PR diminui proporcionalmente à elevação da frequência cardíaca.
Manobras vagais como a compressão do seio carotídeo causam uma redução da frequência cardíaca, com seu retorno gradual aos níveis anteriores, após o término da manobra. Isto auxilia no diagnóstico diferencial de outras taquiarritmias. O tratamento deve visar a causa base da taquicardia removendo ou reduzindo as causas primárias subjacentes (analgésicos para alívio da dor, tranquilizantes para redução da ansiedade, reposição volêmica para compensar o choque hipovolêmico, hemotransfusão em caso de anemia extrema, antibióticos no caso de infeções...)

     Ilustração 2: Taquicardia sinusal


Extrassístoles

As extrassístole são as principais causas de pulso irregular. Podem surgir em qualquer área do coração, sendo mais prevalente nos ventrículos.
Etiologicamente as extrassístoles tanto atriais quanto ventriculares podem ocorrer na ausência de qualquer patologia cardíaca. Surgem de forma isolada sem  etiologia definida (idiopática) ou podem estar associadas a uma hiperexcitabilidade miocárdica devido à descarga adrenérgica (drogas estimulantes), medicamentos (digital), distúrbio eletrolítico (hipopotassemia) ou metabolismo acelerado (hipertireoidismo). Entretanto, podem ser uma expressão de doença cardíaca avançada (dilatação de câmaras ou cicatrizes miocárdicas), disfunção do ventrículo ou isquemia.

Extrassístole Atrial

Ocorre quando um foco atrial dispara antes do próximo disparo sinusal. Pode conduzir o estímulo aos ventrículos gerando um QRS também mais precoce. Caso a extrassístole seja muito precoce, pode encontrar o NAV ainda refratário e portanto, sem condução AV (extrassístole atrial bloqueada). Achados eletrocardiográficos: onda P prematura com morfologia que pode, ou não, assemelhar-se com a onda p sinusal dependendo do local de origem. Geralmente não precisa de tratamento, no entanto, nos pacientes sintomáticos, betabloqueador, digitálicos e antagonistas do canal de cálcio podem ser utilizados.

 Ilustração 3: Extrassístole atrial conduzida  e extrassístole atrial bloqueada


TAQUICARDIA VENTRICULAR/ FIBRILAÇÃO VENTRICULAR

 Extrassístole Ventricular
                
QRS prematuro e alargado não precedido de ondas P. Podem ser seguidos de pausas compensatórias ou seja, a soma dos intervalos pré e pós extrassistólico correspondem a dois intervalos basais. Se cada batimento cardíaco for seguido por uma extrassístole ventricular, chama-se bigeminismo. Caso sejam dois batimentos sinusais, seguidos também por uma extrassístole, chama-se trigeminismo.
Na ausência de cardiopatias estruturais, têm como origem mais freqüente a via de saída do ventrículo direito.
Na ausência de cardiopatias estruturais ou sintomas, o tratamento das extrassístoles ventriculares é questionável. Na presença de palpitações taquicárdicas freqüentes ou sintomas de dispnéia e dor torácica, o tratamento com drogas antiarrítmicas pode ser considerado, conhecendo os efeitos colaterais e pró-arrítmicos destas drogas.

                           
            
Ilustração 4: Extrassístole ventricular
 

A taquicardia ventricular  ( TV ) é uma arritmia caracterizada pela presença de três ou mais extrassístoles ventriculares seguidas. Dentre todas as taquicardias estas são sem dúvida as de maior morbi-mortalidade. Aquelas qiue persistem por mais de 30 segundos (mais graves) são consideradas taquicardias ventriculares sustentadas (TVS). Aquelas com apresentações mais curtas são denominadas taquicardias ventriculares não sustentadas (TVNS).

 Ilustração 5: Taquicardia ventricular monomórfica


Praticamente todas as doenças cardíacas graves podem cursar com episódios de TV e a presença dessa arritmia  deve sempre levantar a suspeita de uma cardiopatia estrutural do coração. A doença arterial coronariana em suas formas aguda (angina instável e infarto do miocárdico) ou crônica (miocardiopatia isquêmica) , são causas comuns de taquicardia ventricular. A hipertensão arterial (cardiopatia hipertensiva) , as doenças do músculo do coração (miocárdiopatia dilatada idiopática chagásica, hiperttrófica) , ou ainda , as miocardites (inflamação aguda do miocárdio) também podem cursar com episódios de taquicardia ventricular.
A displasia arritmogênica do ventrículo direito é uma doença genética , aonde o miocárdio do ventrículo direito , é substituído por tecido fibroso e gorduroso , fato que acarreta uma alteração da forma, função e da atividade elétrica desse ventrículo. Essa doença , por causar taquicardia ventricular e fibrilação ventricular ,é uma causa de morte súbita em pessoas jovens.

Algumas doenças hereditárias , que afetam exclusivamente a parte elétrica do coração (Doença elétrica primária) , podem levar a taquicardia ventricular (normalmente polimórfica), parada cardíaca e morte súbita mesmo na ausência de doença estrutural identificável. Normalmente são causadas por alterações nos canais iônicos (canalopatias) responsáveis pelo potencial elétrico cardíaco. Seus principais representantes são:

1.    Síndrome de Brugada: O tipo mais clássico apresenta uma elevação do segmento ST em V1 a V3 e tendência a inversão das ondas T nestas derivações. É ocasionada por uma redução na atividade dos canais de sódio do músculo cardíaco. Apresentam um alto índice de mortalidade nos pacientes com episódios prévios de síncope ou morte súbita abortada.
2.    Síndrome do QT longo: Intervalo QT corrigido (Qtc) com duração > 450ms nos homens e >470ms nas mulheres. Pode ter origem congênita ou ser adquirida através de distúrbios hidro-eletrolíticos (K+, ↓Ca++, ↓Mg++) ou uso de drogas (quinolonas, macrolídeos, neurolépticos...)
3.    Síndrome do QT curto: entidade muito rara e hereditária. Intervalo Qtc 340ms. São frequentemente associados à fibrilação atrial.
4.    Taquicardia ventricular catecolaminérgica: Arritmia ventricular polimórfica induzida pelo esforço. Tipicamente ocorre em criaças e adolescentes mas há casos em que é diagnosticada apenas na vida adulta.
5.      Fibrilação ventricular idiopática: Entidade muito rara na qual é vista uma fibrilação ventricular sem que seja possível identificar qualquer uma das causas citadas anteriormente.


     

Ilustração 6:  ECG com padrão de Brugada Tipo I (clássico)

Ilustração 7: QT longo com início de uma taquicardia ventricular polimórfica que gira em torno de seu próprio eixo (torsades des pointes)


O indivíduo com taquicardia ventricular, geralmente, apresenta palpitações (percepção anormal dos batimentos cardíacos) . A taquicardia ventricular sutentada ( TVS ) pode ser perigosa e freqüentemente acarreta uma queda da pressão arterial  devido à redução do tempo de enchimento diastólico e consequente redução do débito cardíaco. O resultado desse processo são queixas de tonturas ,lipotímia ou síncope além de congestão pulmonar. Um aumento agudo da demanda miocárdica de oxigênio pode causar angina e isquemia. A persistência da taquicardia ventricular poderá levar a uma arritmia cardíaca ainda mais grave chamada de fibrilação ventricular que leva a morte caso não seja tratada prontamente.
    
Ilustração 8:      Início de uma taquicardia ventricular polimórfica com degeneração em fibrilação      ventricular.


O eletrocardiograma ou a monitorização cardíaca contínua ( em pacientes em ambiente hospitalar, com monitor cardíaco ) , no momento da taquicardia ventricular, permite o diagnóstico imediato desta arritmia cardíaca. Alguns casos de taquicardia ventricular , poderão ser documentados apenas com um eletrocardiograma contínuo de 24 horas ( Holter ) ou por um período de monitorização eletrocardiográfica ainda maior através de um monitor de eventos cardíacos.

Tratamento: O tratamento é instituído para qualquer episódio de taquicardia ventricular sustentada (TVS ) , mesmo se o paciente for assintomático. Os episódios sintomáticos ou com instabilidade hemodinâmica devem ser submetidos imediatamente a uma cardioversão elétrica. Nos casos estáveis as drogas antiarrítmicas podem ser usadas na tentativa de uma cardioversão química porém, devido à dificuladade diagnóstica em alguns casos e ao potencial de degeneração, a cardioversão elétrica ainda é a primeira opção na maioria dos casos.

A Morte Súbita Cardíaca (MSC) é responsável por cerca de 50% da mortalidade de pacientes com cardiopatia isquêmica ou não-isquêmica e grave disfunção sistólica de ventrículo esquerdo. Aproximadamente 95% das MSC são arritmogênicas (TV/FV).  Vários estudos conduzidos nos últimos 15 anos tem mostrado a efetividade do cardiodesfibrilador implantável (CDI), na prevenção primária desses eventos fatais.

O estudo eletrofisiológico pode ser um exame útil para testar a ação drogas antiarrítmicas, podendo ainda , identificar o foco da arritmia cardíaca. Uma ablação (cauterização por radiofrequência) pode ser tentada em alguns casos selecionados para a eliminação dos focos arritmogênicos (como em casos de taquicardia ventricular cicatricial, nas taquicardias ventriculares idiopáticas). Em casos mais graves , principalmente com disfunção severa da contração do ventrículo esquerdo ,uma opção de tratamento é a instalação de um dispositivo , denominado de desfibrilador automático implantável , capaz de perceber a arritmia e eliminá-la com um choque elétrico, reduzindo assim o risco de morte súbita.



Prognóstico ( gravidade ):
A gravidade da taquicardia ventricular , em geral , está relacionada a gravidade da cardiopatia associada. A disfunção ventricular ( diminuição da força de contração do ventrículo esquerdo ) , avaliada pela diminuição da fração de ejeção do ecocardiograma , associa-se a um pior prognóstico em pacientes com taquicardia ventricular.
. Ressalta-se a importância do diagnóstico diferencial entre TV e Taquicardia supraventricular com condução aberrante, pois ambas cursam com QRS largo (>120 ms).


Algumas definições são importantes para entender as Taquicardias ventriculares:
·         Frequência cardíaca: superior a 120 bpm
·         Duração do QRS: > 120 ms
·         Duração da arritmia:
- TV sustentada (TVS):  duração maior que 30 segundos;
- TV não sustentada (TVNS): duração menor que 30 segundos porém com mais de três batimentos consecutivos.
·         Morfologia:
- TV monomórfica: QRS de mesma morfologia;
- TV polimórfica: QRS de morfologia distintas;

TV Monomórfica

Corresponde a maioria das taquicardias com QRS largo, sendo mais frequentes em portadores de cardiopatia estrutural. Quando associadas à instabilidade hemodinâmica exigem cardioversão imediata. Em pacientes estáveis,, podem ser tratadas com fármacos de atividade antiarrítmica nos ventriculos, como por exemplo a amiodarona ou procainamida (esta última contra-indicada nos casos de cardiopatia) (The cardiac arrhythmia suppression trial: First CAST … then CAST-II FREEH.Leon Greene, MD, FACC; Dan M. Roden, MD, FACC; Richard J. Katz, MD, FACC; Raymond L. Woosley, MD, FACC; David M. Salerno, MD, FACC; Richard W. Henthorn, MD, FACC[+] Author Information J Am Coll Cardiol. 1992;19(5):894-898. doi:10.1016/0735-1097(92)90267-Q).

TV Polimórfica

Quando a TV apresenta QRS com múltiplas morfologias e intervalos RR variáveis é denominada de polimórfica. Pode surgir na vigência de isquemia aguda do miocárdio, uma miocardite ou até por algumas alterações dinâmicas e prolongamento no intervalo QT (figuras 7,8). Nesse último caso, temos torsade de pointes, no qual o QT oscila significativamente ao redor da linha de base na maioria das derivações do ECG. Pode ter origem congênita (QT longo congênito) ou pode estar relacionada ao uso de alguns fármacos (quinolonas, macrolídeos, haloperidol, metoclopramida,..) ou a distúrbios hidro-eletrolíticos (hipopotassemia, hipomagnesemia...). O prognóstico é desfavorável se não tratado precocemente. Pode exigir a desfibrilação imediata. O tratamento deve visar as causas de prolongamento do intervalo QT, suspendendo as possíveis medicações implicadas e fazendo reposição venosa de K+ e Mg++.. O marcapasso provisório (MPP) pode ser útil uma vez que, uma frequência cardíaca mais elevada pode inibir as extrassístoles ventriculares e regularizar o ciclo cardíaco reduzindo assim a possibilidade de novas taquicardias ventriculares. Deve ser mantido até a resolução da causa base. Nos casos de QT longo congênito, o uso de um Cardiodesfibrilador Implantável pode ser necessário. (Diretrizes Brasileiras de Dispositivos
Cardíacos Eletrônicos Implantáveis (DCEI), Arq Bras Cardiol 2007; 89(6) : e210-e237)

TV Idiopática

Quando a Taquicardia ventricular surge em paciente sem quaisquer cardiopatias estruturais é chamada de  TV idiopática.
A principal variante é a arritmia de via de saída ventricular (ventrículo direito -80%, ventrículo esquerdo - 20%). Podem apresentar-se apenas como extrassístoles ventriculares isoladas (arritmias de via de saída) e a maioria é assintomática com diagnóstico fortuito. Quando manifestas como taquicardias ventriculares as principais queixas são palpitação, geralmente desencadeada por atividade física, alto consumo de cafeína e estresse.
As Taquicardia ventricular de via de saída ventricular são pincipalmente causadas por pequenas oscilações do potencial de ação da célula miocárdica (pós-potencial) geralmente por alterações do cálcio intracelular. O mecanismo ainda não é totalmente conhecido. As alterações eletrocardiográficas mas frequentes mostram uma morfologia de bloqueio de ramo esquerdo em V1 (complexo negativo) grandes ondas R monofásicas nas derivações inferiores DII, DIII e aVF. Manobras vagais e a administração de adenosina, beta bloqueador e verapamil podem suprimir esta taquicardia. Os pacientes também se beneficiam com antiarrítmicos das classes IA ou IC. A ablação com catéter de radiofreqência pode ser utilizada com índice de sucesso maior que 90%.
Taquicardia ventricular septal esquerda (taquicardia fascicular) é uma arritmia de reentrada e está associada anatomicamente ao sistema das fibras de Purkinje do ventrículo esquerdo. Mais comumente o ECG mostra uma morfologia de bloqueio de ramo direito em V1 (QRS positivo) com complexos negativos nas derivações inferiores DII, DIII e aVF bloqueio divisional Ântero-superior – BDAS). O tratamento é realizado com o uso de verapamil, diltiazem ou betabloqueadores. A ablação por cateter pode ser benéfica quando há resistência à terapia farmacológica.

 
       Ilustração 9: Taquicardia de via de saída do VD

Ilustração 10: Taquicardia Ventricular fascicular
                                                              

Fibrilação Ventricular
           
Clinicamente, corresponde à parada cardiorrespiratória. No eletrocardiograma caracteriza-se por ondas bizarras, caóticas, de amplitude e frequência variáveis. Este ritmo pode ser precedido de taquicardia ventricular ou torsade de pointes, que degeneraram em fibrilação ventricular. É a principal causa de morte precoce no IAM.


Taquicardias Supraventriculares

            
Taquicardia Supraventricular Por Reentrada Nodal

A reentrada nodal corresponde a 60% dos casos de TPSV. Ocorre duas vezes mais frequentemente no sexo feminino e normalmente é econtrada em indivíduos sem cardiopatias estruturais. Em sua forma típica, conduz anterogradamente pela via nodal lenta e retrogradamente pela via rápida (Slow-fast).
Frequentemente os pacientes queixam-se de palpitações taquicárdicas de início e término súbitos. Ocasionalmente podem ocorrer angina e dispnéia devido ao aumento da demanda miocárdica de oxigênio. Sensação de pulsação cervical também é comum. Isso acontece porque a corrente de ativação ao chegar na porção final da via lenta, sobe para os átrios através da via rápida ao mesmo tempo em que desce para os ventrículos pelo sistema His-Purkinje. Isso ocasiona uma contração atrial e ventricular simultâneas gerando um aumento da pressão atrial (que contrai contra uma válvula fechada) causando uma pulsação venosa pronunciada que é descrita no exame físico como “sinal do sapo”. Esta distensão atrial também leva a um aumento na produção do peptídeo natriurético atrial (ANP) explicando a poliúria descrita por alguns pacientes. Quando há alguma cardiopatia estrutural, que limite o enchimento ventricular (principalmente quando a frequência é muito alta) pode haver hipotensão ou síncope associadas.

Os achados eletrocardiográficos dessa arritmia são:
  • QRS estreito
  • freqüências que variam entre 150 e 250 bpm
  • onda P não visível (dentro do QRS), ou visível imediatamente antes ou após o QRS gerando distorções iniciais ou terminais deste.


Ilustração 11: Taquicardia por reentrada nodal. As setas mostram ondas “p” retrógradas imediatamente após o QRS


O tratamento da fase aguda visa interromper o circuito reentrante com um estímulo vagal (manobra de Valsalva, massagem do seio carotídeo, esforço do vômito...). A compressão do seio carotídeo deve sempre ser precedida de asculta das artérias carótidas na busca de sopros cuja presença contra-indica esta manobra que só é eficaz em cerca de 25% dos casos. Naqueles em que não ocorrer a reversão desta arritmia com tais manobras, utilizam-se medicamentos (preferencialmente intravenosos) que deprimem a condução pelo Nódulo atrioventricular como a adenosina (6 a 12mg), bloqueadores dos canais de cálcio (verapamil 5 a 10mg, diltiazem 0,25 a 0,35mg/kg) ou bloqueadores beta-adrenorreceptores (propranolol 1 a 3mg, metoprolol 5 a 15mg). Caso haja comprometimento hemodinâmico, cardioversão sincrônica com a onda R, usando 100 a 200 joules pode cessar a taquiarritmia.
Para tentar diminuir as recidivas, pode-se usar betabloqueadores ou bloqueadores de canais de cálcio.  Antiarrítmicos de classe IA ou IC  podem ser utilizados nos quadros refratários.

O tratamento definitivo desta taquiarritmia é cirúrgico e chama-se ablação por cateter. É uma intervenção minimamente invasiva  realizada durante o estudo eletrofisiológico (usado como ferramenta no diagnóstico). Mediante sedação leve e anestesia local são realizadas punções venosas (e ocasionalmente arteriais) para o posicionamento dos catéteres através dos quais localiza-se o foco (via lenta) e faz-se a cauterização através de emissão de ondas de radiofrequência (figura 12). Esse procedimento oferece taxa de cura de até 95% com taxas de recidiva em torno de 5% e incidência de complicações de menos de 3% (lesão vascular, tamponamento cardíaco, necessidade de marcapasso definitivo). O paciente recebe alta no dia seguinte e retorna às suas atividades normais em dois ou três dias.

            
Ilustração 12: Posicionamento dos catéteres diagnósticos utilizados durante um estudo eletrofisiológico.


Taquicardia Com Feixe Acessório
A taquicardia com feixe acessório é responsável por aproximadamente 30% das chamadas taquicardias paroxísticas supraventriculares (TPSV). O esqueleto fibroso do coração, formado ainda durante a vida intra-uterina, funciona como um isolamento elétrico entre os átrios e os ventrículos. Contém apenas uma falha por onde passa o feixe de His. Uma em cada 1000 pessoas pode ter um defeito na formação deste isolamento contendo duas ou mais falhas por onde passam feixes musculares que servem de condutores elétricos (feixes acessórios) que funcionam como parte do circuito destas taquicardias. Classicamente podemos determinar dois grupos dentro desta modalidade de arritmia. No primeiro grupo as vias acessórias são aparerentes ao eletrocardiograma durante o ritmo sinusal cujo modelo clássico é a presença de onda Delta na síndrome de pré-excitação ventricular (ilustração 13).
                                 


Ilustração 13: Traçado revelando pré-excitação ventricular. As setas apontam para a onda delta. As linhas tracejadas mostram como seria a ativação ventricular normal.

Quando esta pré-excitação está associada a taquicardias, denominamos síndrome de Wolf-Parkinson-White. Nesta síndrome mediada por vias acessórias podemos encontrar dois tipos de taquicardias mediadas pelos feixes acessórios:
  1. ortodrômicas: aquelas que descem para despolarizar a musculatura ventricular via NAV e sobem novamente para os átrios pela via acessória estabelecendo um circuito de reentrada) que são taquicardias de complexos QRS estreito (a menos que haja bloqueio de ramo prévio).
Ilustração 14: Taquicardia ortodrômica onde o estímulo ativa os ventrículos pelo sistema His-purkinje e conduz retrogradamente para os átrios através de um feixe acessório. O QRS é estreito.


  1. antidrômicas: o estímulo desce para os ventrículos pelo feixe acessório despolarizando inicialmente os ventrículos e gerando complexos QRS alargados. Entram no diagnóstico diferencial de taquicardia ventricular.



Ilustração 15: Taquicardia antidrômica onde o estímulo ativa os ventrículos pelo feixe acessório e conduz retrogradamente para os átrios através do sistema His-purkinje. O QRS é largo.

As taquicardias antidrômicas exigem que o feixe acessório seja capaz de conduzir anterogradamente (do átrio para o ventrículo) com grande velocidade. Felizmente grande parte dos feixes não são tão eficazes podendo mesmo desaparecer e reaparecer espontaneamente. É a chamada pré-excitação intermitente e sugere um bom prognóstico podendo prescindir de tratamento quando o paciente é assintomático.




                   Ilustração 16: Pré-excitação intermitente


Em um outro extremo, há os feixes que são capazes de conduzir anterogradamente com extrema eficácia. A combinação destes feixes com fibrilação atrial gera uma associação grave e potencialmente fatal pois a resposta ventricular pode chegar a mais de 300/min com risco de degeneração para fibrilação ventricular (ilustração 17). Vale lembrar que os pacientes portadores de pré-excitação ventricular tem uma incidência aumentada de fibrilação atrial em relação à população geral.
              

              Ilustração 17: Fibrilação atrial pré-excitada

O segundo grupo de taquicardias no grupo dos feixes acessórios pertencem àqueles pacientes onde a analise da eletrocardiografia de superfície (ECG e Holter) não demonstram pré-excitação ventricular. Neste grupo só é possível o desenvolvimento de taquicardias ortodromicas, visto que os feixes acessórios destes pacientes, têm condução no sentido exclusivamente ventrículoatrial. No passado era conhecido por feixe anômalo oculto (i.e.oculto no ECG em ritmo sinusal).
Quanto ao diagnóstico, é essencial o registro do traçado eletrocardiográfico da crise por meio de Holter, looper ou ECG de 12 derivações no pronto atendimento. Nos casos portadores de pré-excitação a suspeita do mecanismo da taquicardia é em muito facilitado. Para reversão da crise de taquicardia para ritmo sinusal podemos lançar mão de manobras vagais (valsalva, compressão do seio carotídeo, vômito...) ou mesmo adenosina nas formas ortodrômicas (Ilustração 18). Nas taquicardias antidrômicas a interrupção da taquicardia deve ser feita pela via acessória utilizando drogas do grupo I ou drogas do grupo III. Não se deve utilizar adenosina para reversão de taquicardias antidrômicas pelo risco relativo de fibrilação atrial pré-excitada. Devemos lembrar que a adenosina baixa o limiar do átrio para fibrilação atrial e sua infusão pode desencadear esta arritmia. Nos casos com instabilidade hemodinâmica a
cardioversão elétrica sincronizada deve ser imediatamente realizada.


Ilustração 18: Reversão de TPSV com adenosina IV. Note que não há pré-excitação ventriular após reversão. Logo, pode tratar-se de uma TRN ou de uma taquicardia ortodrômica utilizando um feixe acessório oculto. Ambas dependem do NAV que é bloqueado pela adenosina.



         O tratamento agudo dessas taquiarritimias é semelhante ao da reentrada nodal. Já profilaticamente para os quadros crônicos, o uso de cateter de radiofreqüência para ablação (curativa) e antiarritímicosconvecionais devem ser considerados. A administração de digoxina ou verapamil EV deve ser cuidadosamente utilizada, pois eles podem aumentar a freqüência tendo chance de desenvolver FV.Quando administrados cronicamente por via oral de betabloqueadores e/ou verapamil ou diltiazem podem ser usados como prevenção de recorrência das taquicardias supraventriculares por reentrada associadas a uma via acessória.
         Na Síndrome de pré-excitação de Wolff-Parkison-White, a ativação prematura é devido a conexões musculares de fibras miocárdicas funcionantes fora do tecido especializado que conectam as câmaras cardíacas, exercendo o papel de um marcapasso tardio na condução nodal AV. Usa-se o termo síndrome quando há taquiarritmia por via acessória.
A incidência em indivíduos sadios varia em 0,1 a 3 a cada mil. É diagnosticada em todas as idades, entretanto diminui a prevalecia em faixas etárias mais avançadas, por conta da perda da pré-excitação, sendo mais elevada no sexo masculino.
Como achados no ECG, teremos: PR curto (inferior a 120ms no ritmo sinusal), QRS acima de 120ms, onda delta, alterações ST-onda T. Nesta Síndrome a taquicardia mais comum pode ser caracterizada por um ARS normal, ritmo regular, freqüência ventricular de 150 a 250bpm com inicio e término súbitos.
Apenas os pacientes com taquicardia de repetição sintomática devem iniciar tratamento, os quais são a ablação elétrica ou cirúrgica e o tratamento farmacológico, com uso de adenosina, verapamil, propanolol e digitálicos, que alongarão tanto o tempo de condução quanto a refratariedade do nó AV. Outros medicamentos, agindo tanto no nó AV quanto na via acessória, são os fármacos da classe IC, amiodarona e o sotalol. O tratamento agudo também é de forma semelhante à reentrada nodal. Em algumas situações, como a de pacientes com resposta do ventrículo muito acelerada, a cardioversão elétrica é o tratamento inicialmente escolhido.
Para a prevenção, a fim de diminuir a capacidade de condução nas duas curvas do circuito reentante, há relatos de benefício coma utilização de quinidina e propanolol, ou procainamida e o verapamil.


Taquicardia Atrial

         A taquicardia atrial, que representa uma parcela de 5% das taquicardias supraventriculares, é, na maioria das vezes, uma arritmia regular que faz diagnóstico diferencial com taquicardia por reentrada nodal e por vias acessórias. Embora ocorra, em sua grande parte,em pacientes portadores de cardiopatia estrutural (doença arterial coronariana, cor pulmonale e etc), ela também pode ser vista em pacientes sem cardiopatia estrutural. Na taquicardia atrial, o nó AV não fará parte do circuito, por isso, haverá persistência da taquiarritmia quando tentar-se o bloqueio do nó AV por manobras vagais ou por drogas, excluindo, assim, taquicardia por reentrada nodal e por vias acessórias.
         Os mecanismos envolvidos podem ser: atividade deflagrada ou automatismo, principalmente em pacientes sem cardiopatia; indução por drogas (digitálicos) e reentrada, em pacientes com cardiopatia estrutural.
         Ao ECG, teremos uma frequência atrial de 150 a 200bpm e a morfologia da onda P é diferente da morfologia da onda P sinusal. Além de intervalos isoelétricos entre elas em todas as derivações, o que também a difere do flutter atrial.

         O tratamento é semelhante ao da fibrilação atrial e flutter atrial. O uso de amiodarona e procainamida IV pode acabar com a taquicardia e, caso não responda a terapêutica medicamentosa, a cardioversão elétrica pode ser uma opção. A ablação tem índice de cura de 90%e é ideal para pacientes, ideal para pacientes com o uso crônico de medicamentos.

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